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Orar é abrir o coração
Por Alexis Trass - Editora
Associada
O ato de orar
origina-se no desejo básico do ser humano de levar vidas felizes e plenas
e de morrer de maneira tranqüila. A oração busca abrir os corações e
mentes para algo, mas, o quê é esse “algo”?; varia de acordo com as
diferentes crenças a respeito de a quem ou quê a pessoa ora. Por
exemplo, o animismo concebe cada rocha, árvore, montanha, etc., como
possuidores de um espírito, o qual pode ser contatado através da oração
ou outros rituais religiosos. Na sua maioria, os deístas consideram a oração
improdutiva, e vêm seu propósito como uma forma de organizar os
pensamentos. Algumas pessoas pensam que Deus é um ser remoto e distante a
quem só se pode aceder através de intermediários, tais como membros do
clero ou santos. Outros acreditam que Deus encontra-se no corpo de cada
indivíduo e não vêm a fé como um ato religioso; e sim como uma relação
pessoal com Deus. Uma crença bastante difundida, que vincula os crentes
de diferentes religiões teístas ao redor do mundo, é aquela de que uma
ou mais deidades existem como pessoas vivas, que podem ser contatadas
mediante a oração.
Não importa a que
credo religioso uma pessoa possa aderir, a oração tem demonstrado
produzir um estado de calma e serenidade, um senso de pertencer, e
sentimentos de amor que podem ser benéficos à saúde física e mental da
pessoa e ao seu bem-estar espiritual. Por exemplo, investigadores do
Centro Médico da Universidade Duke realizaram estudos relativos à taxa
de sobrevivência de adultos de idade avançada. Eles encontraram que os
adultos de maior idade que participavam de atividades privadas religiosas
tais como estudos bíblicos, oração, ou meditação “apresentavam
uma vantagem quanto à sobrevivência em relação com aqueles que não
tinham este tipo de atividades”.
Há paralelos entre
elementos do Budismo Nitiren e a oração cristã. Entre aquelas coisas
que com maior freqüência preocupam às pessoas, e pelas quais oram, estão
os assuntos relacionados com saúde e doença. Tanto as cartas de Nitiren
Daishonin como a Bíblia referem-se ao tema de sobrepor-se às
enfermidades. Em sua carta “A transformação do carma determinado”,
Daishonin escreve: “Para as mulheres mudarem seus carmas determinados
praticando o Sutra de Lótus é tão natural como o arroz amadurecendo no
outono ou o crisântemo florescendo no inverno.
Quando eu, Nitiren, orei por minha mãe, não somente
sua doença foi curada, mas ela foi capaz de viver por quatro anos mais. A
senhora também é mulher e agora caiu doente; portanto, é a época para
a senhora basear sua fé no Sutra de Lótus e aprender que benefícios
este lhe trará”. (Escrituras
de Nitiren Daishonin, vol. I, pág. 218).
A Bíblia relata a história de um dos reis de Judéia,
o Rei Ezequias, que adoeceu gravemente e estava a ponto de morrer. Orou
para Deus por ajuda e Deus escutou suas preces, viu suas lágrimas e
decidiu prolongar-lhe a vida por mais quinze anos. (Isaías
38:1-5, New Revised Standard Version).
Deus
o curou através do uso de medicina, fazendo que Ezequias aplicasse um
emplasto de figos à chaga que estava ameaçando sua vida (Isaías 38:21,
NRSV).
Outros paralelos podem
estabelecer-se. Os cristãos vêm a oração como aquilo que é capaz de
trazer para uma situação determinada o poder de um Deus universal. Os
budistas acessam o poder da Lei Mística Universal. Os cristãos oram para
obter força para combater o mal; os budistas oram por paz e serenidade
durante tempos difíceis e para conseguir a solução aos problemas da
vida. Da mesma maneira, poderíamos ter em mente pensamentos, desejos e
preocupações na medida que oramos.
Há, porém, diferenças
fundamentais entre as orações dos cristãos e as orações no Budismo
Nitiren. Tomemos o exemplo antes citado sobre doença. Daishonin explica
à monja leiga Toki – a receptora da carta “A transformação do carma
determinado” – que ela pode mudar seu destino praticando o budismo, e
explica que o curso de sua vida não é dirigido por uma divindade ou força
externa, mas unicamente pela própria Toki. Sua capacidade para
sobrepor-se à doença depende de sua luta e de sua fé.
No
outro caso, o Rei Ezequias não tinha a opção de escolher se seria
curado ou não. Ele tinha que suplicar-lhe e lembrar-lhe a Deus que tinha
se mantido na senda correta da vida. Foi só quando Deus viu suas lágrimas
que o rei foi sanado.
A oração cristã é
direcionada para fora, no sentido de que os cristãos oram a Deus, seja
para louvá-lo, agradecer-lhe ou suplicar sua graça. Louvar a Deus
significa alegrar-se na perfeição divina e, portanto, glorificar a Deus.
“Eu te louvarei, Senhor, de todo meu coração; em ti me alegrarei e
saltarei de prazer; cantarei louvores ao teu nome, Oh Altíssimo” (Salmos
9:1-2 NRSV). Mostrar gratidão é o melhor meio para obter novas benções
de Deus. “Em todas as circunstâncias, dai graças, pois esta é a
vontade de Deus a vosso respeito, em Cristo Jesus” (Tessalonicenses
5:18, NRSV). Finalmente, a forma de receber a graça de Deus é pedi-la. “Por
isso, eu vos digo: Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei à
porta e ela vos será aberta” (Lucas
11:9, NRSV).
A oração cristã tem
o objetivo de reconhecer o poder e a bondade de Deus. Deus é quem dá
tudo aquilo que é bom, os fiéis devem demonstrar seu espírito de súplica,
a fim de tornar-se merecedores das dádivas de Deus. A oração é um ato
que implica suprema reverência a Deus, o que faz que os fiéis recorram a
Deus para todas as coisas porque desejam que sua oração seja respondida
como uma dádiva. As pessoas devem humilhar-se perante Deus com o sincero
reconhecimento de suas fraquezas humanas e falta de méritos.
Jesus relata a parábola
de dois homens que vão orar ao templo; um é um fariseu e o outro é um
arrecadador de impostos. O fariseu dá graças a Deus por ele ser um homem
justo, não é um extorsionário, ou um adúltero, e particularmente,
agradece pelo fato de não ser um arrecadador de impostos. Ele procede a
enumerar suas virtudes. O arrecadador de impostos, por outro lado, admite
ser um pecador e implora a misericórdia de Deus. Jesus diz, então: “Porque
quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”
(Lucas 18:9-14, NRSV).
A oração budista é
direcionada para o interior. Recitar Nam-myoho-rengue-kyo não equivale a
pedir soluções através da intervenção de forças externas. Em vez
disso, é um meio para fazer acúmulo dos recursos próprios de nosso
interior, a fim de enfrentar a vida. É um ato mediante o qual louvamos
nosso estado de Buda, ou estado de iluminação, e fazemos surgí-lo de
dentro de nossas vidas. Em vez de implorar ou desejar, as pessoas oram com
forte determinação de forma que elas mesmas possam solucionar seus
problemas, fazer seus sonhos realidade e concretizar sua missão como
Bodhisattvas da Terra.
Quando os budistas
Nitiren oram, é para buscar assistência dentro de seus próprios
recursos espirituais – sua budicidade inerente, a qual é parte e idêntica
com a natureza de buda que existe no cosmos e em todas as coisas. O
budismo vê às pessoas como detentoras do poder para transformar suas
vidas; não existe uma força ou deidade que concede desejos baseada no
“bom” ou “mal” comportamento. A oração budista é otimista e
efetiva, não importa que “falhas ou faltas” possua uma pessoa no
momento de orar. Numa de suas muitas cartas, Nitiren Daishonin cita uma
passagem de Palavras e frases do
Sutra de Lótus: “Por ser a Lei suprema, a Pessoa é digna de
respeito. Como a Pessoa é digna de respeito, a terra é sagrada”. (Escrituras
de Nitiren Daishonin, vol. III, pág. 290).
Os budistas Nitiren são
incentivados a olhar dentro de si à procura das soluções aos problemas
da vida. Daishonin afirma, igualmente, “Contudo, mesmo que recite e
conserve o Nam-myoho-rengue-kyo, se pensa que o estado de Buda existe fora
do seu coração, isto já não é mais Lei Mística; é um ensino contrário
a ela”. (Sobre atingir o estado de Buda”, Escrituras de Nitiren
Daishonin, vol. I, pág. 107). Os Budistas Nitiren dependem do poder de
suas próprias vidas. A Lei Mística existe também em todas as coisas, a
oração acessa não só o poder do indivíduo, como também o poder do
universo inteiro.
Seja
qual for a maneira que as pessoas escolham orar, o assunto importante é
que suas orações tragam às suas vidas tranqüilidade e paz. A oração,
seja dirigida a Deus ou ao Gohonzon, traz consigo oportunidades para
compartilhar aquilo que reside no coração das pessoas. No Budismo
Nitiren o que importa primordialmente é desenvolver um estado de
felicidade que não possa ser destruído pelas cambiantes circunstâncias
de nosso meio ambiente. O presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI),
Ikeda, cita Nitiren Daishonin: “Não há maior felicidade para os
seres humanos que orar o Nam-myoho-rengue-kyo” (A
felicidade neste mundo”,
Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. III, pág. 199) e explica, “Enquanto
o senhor mantiver uma fé firme, e recite o daimoku de forma determinada
ao Gohonzon, não importa o que aconteça, certamente o senhor será capaz
de levar uma vida repleta de plenitude”. (My dear friends in America, p. 92).
Junho de 2004, Living
Buddhism
Tradução: Ariel Ricci ahricci@gmail.com
Revisão: Marly Contesini mcontesini@estadao.com.br
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