Compaixão

Por Daisaku Ikeda

Simples atos como ouvir, compartilhar e lembrar se tornam uma grande base de apoio para aqueles ao nosso redor.

Qual é a chave para direcionar a adormecida energia vital em prol da felicidade e desenvolvimento ? Eu acredito que uma ação baseada na compaixão é um dos pontos que colaboram neste processo de transformação.

Enquanto os desejos pessoais direcionam a energia do mundo exterior para nós, a compaixão expande nossa energia para o ambiente, ao mesmo tempo que alcançamos e enriquecemos a vida daqueles ao nosso redor. Por estranho que pareça, quanto maior for a energia dispendida em prol de outros, maior será a sensação de bem-estar que iremos desfrutar.

A compaixão pode ser descrita de modo simples, como a capacidade de ouvir encarecidamente os problemas de alguém em estado de aflição. Certa ocasião, eu ouvi o relato de uma enfermeira que cuidava de uma velha senhora com 87 anos. Ela sempre permanecia calada em sua cadeira de rodas, com um feição entediada, lábios cerrados e sombrancelhas franzidas.

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Daisaku Ikeda é pacifista, escritor, filósofo, fotógrafo e poeta.  Também conhecido como "Embaixador da Paz", é presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), uma ONG, com base budista,   filiada às Nações Unidas, que atua nas áreas da cultura, educação, paz, meio-ambiente, desarmamento nuclear e apoio a refugiados de guerra.

Em seu primeiro encontro, a enfermeira gostaria de fazê-la sorrir, ser capaz de mudar seu semblante. A partir de então, em todos os momentos que a encontrava, ela segurava suas mãos e buscava o diálogo. Certo dia, na cafeteria do hospital, a anciã começou a desabafar tudo o que havia sofrido em sua existência. A enfermeira, enquanto segurava sua mão, somente a escutava e inclinava sua cabeça como forma de aceitação.

Quando a paciente terminou sua história, a enfermeira encaminhou-a até o seu quarto. No caminho, a senhora sussurou para sua nova amiga, "ninguém nunca havia me ouvido desta forma". Assim, a partir desta data, um belo sorriso se estampou em sua face.

A compaixão reside nestes simples atos: ouvir, compartilhar e lembrar. Quando a compaixão se tornar o nosso estilo de vida, nossos sofrimentos e contratempos mudam de significado. Seremos capazes de observá-los como algo necessário para que possamos compreender o sofrimento alheio, enquanto buscamos a melhor solução para amenizá-lo. Existem momentos em que uma pessoa somente pode achar conforto na voz de alguém que tenha passado pelo mesmo tipo de sofrimento.

Um atitude com base na compaixão não significa olhar aquele que sofre, com um ar de superioridade e lamentar por sua agonia. Ao contrário, é uma profunda empatia baseada no respito mútuo como seres humanos. A compaixão pode ser comparada a um quarto confortável e bem-iluminado na qual convidamos nossos amigos. Neste local, sentamos juntos para discutir sobre a vida como iguais, aprendendo mutuamente e lutando juntos em prol do auto-aperfeiçoamento.

Da mesma forma que nunca iremos sofrer totalmente sozinhos, pois sempre haverá alguém que irá sofrer por nossa infelicidade; não há felicidade que existe somente por ela mesma. A felicidade não é como um bolo que pode ser cortado cuidadosamente em fatias, para que todos possam ter o seu fino pedaço. O aumento da felicidade de cada indivíduo gera um crescento aumento de energia positiva que vibra em todo o mundo. Aqueles que apreciam genuinamente a alegria manifesta de um amigo são capazes de desfrutar um profunda felicidade dentro de si. De fato, a nossa felicidade vibra na mesma intensidade em que ajudamos outros a encontrá-la.

Em contraste, um estilo de vida egocêntrico e obsessivo representa uma forma de miséria interior, que causa profundas feridas em si e aqueles ao redor. O egoísmo é a principal fonte do sofrimento no mundo.

Entretanto, a compaixão é muito além do que agir de modo simpático. Algumas vezes, requer que apontamos as fraquezas ou distorções de outro ser humano. Afinal, esta é a causa do sofrimento humano, as barreiras que bloqueiam o seu próprio desenvolvimento. É um ato covarde, quando observamos estas falhas e não as mencionamos para que a própria pessoa se torne ciente desta situação. Isto é ser um falso amigo. Assim, a compaixão e a coragem estão intimamente relacionadas.

Eu lembro algumas palavras de um filme muito popular em minha juventude: "É preciso ser forte para viver, mas se não existe carinho, não há muito significado em viver". Por isto, é preciso uma extrema força para se envolver com o sofrimento alheio, ao mesmo tempo que lutamos juntos para ultrapassá-los.

O ato de ajudar o próximo é a chave para sobrepujar o próprio sofrimento. Eleanor Roosevelt permanece como uma das mulheres mais admiradas no século XX. Ela desempenhou um papel fundamental no estabelecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Seu caráter era tal que no final da sua existência ela conseguiu obter o respeito por parte de seus mais ferrenhos críticos. Mesmo assim, esta mulher, que foi capaz de ajudar tantas pessoas, começou sua existência como uma garota tímida e desajeitada que poderia ser tudo, menos feliz.

Em seus primeiros anos de vida, não tinha nenhum amigo, pois foi criada por seus tios. Assim, ela compreendeu desde cedo que a única maneira de vencer o seu sofrimento seria dando maior atenção ao sofrimento das pessoas ao seu redor. Desta forma, ela concentrou-se em prol da solução real dos problemas, ao invés de meramente se preocupar com a opinião alheia.

Gradualmente, o seu carinho e dedicação ao povo - como a primeira-dama dos Estados Unidos - conquistou a admiração e os corações de milhões de pessoas.

A compaixão desperta a sabedoria. Os pais estão constantemente pensando em como ajudar seus filhos a obterem uma vida melhor e bem-sucedida. A compaixão pode ser estendida muito além do círculo familiar ou de amizades, podendo mesmo abranger aquelas pessoas que não apreciamos sua companhia, a partir do momento em que compreendemos o quão intimamente a vida nos correlaciona.

Eu gostaria de compartilhar uma bela imagem provinda de uma antiga parábola indiana que ilustra a interconexão de todos os seres vivos. O ato de decorar o teto de um palácio mítico é como uma enorme rede. A cada intersecção desta rede desponta um brilhante jóia que reflete a imagem de todas as outras jóias penduradas. Assim, cada uma delas contém dentro de si, todas as outras gemas. Cada ser humano é necessário para o incessante brilho de todo o conjunto. Sem a existência de outras, uma única e isolada jóia não pode manifestar todo o seu brilho.

De forma semelhante, somente através do ato de cuidarmos de outros que seremos capazes de expandir nossa própria vida, expandindo seu brilho e vitalidade.

Fonte: Mirror Weekly, 6 de julho de 1998

Preciosa Colaboração de Charles Chigusa
e-mail: chigusacharles@hotmail.com

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