Relato de Experiência
Ricardo Del Rio


Em meio à Catastrofe na Venezuela


No último mês de dezembro, chuvas torrenciais causaram inundações e desabamentos na Venezuela. Os prejuízos são calculados em milhões de dólares e mais de 100 mil pessoas morreram. Dentre as pessoas residentes no estado de Vargas, o mais atingido pelo desastre, se encontrava o senhor Ricardo Del Rio, que transmitiu o seu relato numa reunião realizada em Caracas, capital do país:

Até algumas semanas atrás, eu fazia parte das 450 mil pessoas que residiam no estado de Vargas. Durante estes quatro anos, pude criar um belo laço de amizade com as pessoas do local. Em setembro de 1999, eu mudei para um prédio localizado em frente a praia de Tanaguarenas, juntamente com outras três famílias. Como trabalho na área de computação (Internet), estabeleci um escritório dentro da minha residência. Eu nunca poderia imaginar os acontecimentos do mês de dezembro, um fenômeno que transformou a minha vida, tanto no plano físico, como no espiritual.

Eu acredito que cada um de nós, defronta com alguma dificuldade que é difícil de se superar, um aspecto de nossas vidas na qual não evoluímos ou cujo avanço é extremamente lento. Há alguns anos atrás, através da prática do budismo, eu reconheci que a minha vida emocional era o aspecto que estava mais debilitado em mim, o tesouro do coração.

Como foi noticiado, as chuvas começaram de forma incessante em La Guaira. No dia 15 de dezembro, eu - juntamente com outros companheiros – tentamos convencer um membro a abandonar sua casa para evitar um acidente.

A meia-noite, enquanto via o noticiário na televisão, a energia elétrica foi cortada e o telefone ficou mudo. Entretanto, eu pensei que era algo passageiro, e decidi cochilar na sala. As duas da madrugada, o zelador do prédio bateu na minha porta, aconselhando-me a mover o carro do estacionamento, pois este estava inundando. Assim, eu desci para o estacionamento e mudei meu veículo de posição. Ao mesmo tempo, uma onda de apreensão despertou em mim, como se algo estranho estivesse acontecendo. Acreditando que a situação não fosse melhorar até o amanhecer, liguei através do celular para o sr. Regalado, diretor da SGI-Venezuela para avisar os meus pais e dizer que tudo estava bem.

Na manhã, as chuvas se intensificaram e algumas famílias desabrigadas começaram a buscar refúgio no prédio, pois suas casas foram carregadas pelas águas. Logo, comecei a recitar o daimoku com todas as minhas forças. Alguns minutos depois, um rapaz, nu e cheio de escoriações apareceu na piscina do prédio. Ele e o seu avô tinham sido levados pela chuva em direção ao mar, quando a sua casa desabou. Seu avô havia desaparecido.

Neste momento, um alerta despertou em mim. Eu percebi que a minha vida estava em perigo. Assim, nas próximas 24 horas, recitei o daimoku, observei através da bancada do meu apartamento o nível das águas e incentivei as pessoas ao meu redor enquanto avaliava o grau de destruição em nosso prédio.

Na manhã do dia 16, uma imensa avalanche de lama, rochas, carros, seres humanos e árvores começou a fluir em torno do edifício em direção a praia. Eu fiquei atordoado e recitava o daimoku como louco. Eu olhava uma massa, com cerca de sete metros de altura, indo em direção ao mar com uma força estrondosa. Os portões do nosso prédio estavam sendo empurrados, assim como a base de todos os edifícios da área. Os carros do estacionamento foram sendo levados em direção a piscina. Eu olhei o meu veículo sendo engolfado pelas águas, enquanto estava preso por entre algumas árvores.

Defrontando com esta catastrófe, somente sentei diante do Gohonzon e recitava o daimoku para manter a calma, pois a base do edifício poderia romper a qualquer momento e desabar toda a estrutura. Nestes momentos eu refleti: "Se este é o momento da minha morte, significa que a minha fé foi forte e correta ? Eu possuo o estado de Buda que possa transformar o meu destino e dos meus ancestrais ? ou eu era um simples mortal comum que não tinha outra opção, a não ser morrer de uma terrível forma.

Eu me lembrei da seguinte passagem das escrituras de Nitiren Daishonin "A Abertura dos Olhos": "Eu e meus discípulos, mesmo que ocorram vários obstáculos, desde que não se crie dúvida no coração, atingiremos naturalmente o estado de Buda. Não duvidem dos benefícios do Sutra de Lótus, mesmo que não haja a proteção dos céus. Não lamentem a ausência de segurança e tranquilidade na vida presente. Embora tenha ensinado dia e noite a meus discípulos, todos, criando a dúvida, abandonaram a fé. O que é costumeiro no tolo é esquecer nas horas cruciais o que prometera nas horas normais.".

O meu momento crucial havia chegado. Eu lutei para recitar o daimoku de forma que a minha oração penetrasse em minha vida, ao mesmo tempo que protegesse o meu prédio e os edifícios vizinhos. Eu desejei celebrar o Ano Novo. A imagem dos meus pais vinham em minha mente. Eu me lembrei que os meus pais já chegaram a perder dois filhos e que eu, como um Buda, não poderia provocar este tipo de sofrimento para eles. Do fundo do meu ser, surgiu um profundo amor filial, uma intensa calma e um vibrante senso de missão. Eu gostaria de viver para dizer a todos o quanto eu os amava.

Enquanto isto, o mar de lama avançava com toda a sua força, chegando a encobrir dois andares do prédio. Neste instante, eu me senti responsável pela minha vida e por todos aqueles que estavam abrigados no local. Eu me levantei e convenci a todos que este era o momento de deixarmos o local, pois as vigas do edifício poderiam ruir a qualquer momento. Buscamos o melhor caminho para chegarmos a praia, mas o rio de lama era extremamente perigoso. Enquanto recitava o daimoku, vi o meu carro, atolado em meio a algumas árvores como o instrumento certo e o utilizamos como uma ponte até os muros que circundavam o edifício. Em poucos minutos, todos estavam em segurança na praia. Há dois dias atrás, o zelador havia me aconselhado a mudar a posição do carro e devido a isto, estávamos a salvo.

Depois de sobreviver a esta catástrofe, estou morando juntamente com os meus pais, após 15 anos de ausência. Meu coração se encheu de alegria porque tive a chance de abraçá-los e finalmente evidenciar das profundezas do meu ser, o amor que sentia por eles. Hoje, eu não posso dizer que perdi tudo, ao contrário, eu obtive a minha própria identidade, pois pude reconhecer quem eu sou, o valor da minha vida, da minha família e do seu apreço e afeto. Assim, a minha decisão é continuar a viver sem restrições como um verdadeiro discípulo do presidente Ikeda.

  Preciosa Colaboração de
Charles Tetsuo Chigusa chigusacharles@hotmail.comTóquio - Japão

 

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