Desde que eu era um bebê em Nova York, minha mãe, Ella
Tilles, apresentava um quadro maníaco-depressivo. Quando ela esta de alto
astral, ela ajudava o meu pai no clube de bridge e ia dançar e jogar em
outros clubes, deixando eu e o meu irmão sozinhos. Quando ela esta
depressiva, ela permanecia em casa chorando, preocupada e esfregando as mãos
compulsivamente. Devido meu pai trabalhar por longas horas e meu irmão
raramente permanecer em casa, eu era a pessoa responsável para cuidar da
minha mãe.
Apesar desta situação doméstica, eu era uma boa
estudante e sentia que podia fugir desta circunstância indo para a faculdade.
Embora, eu aparentasse estar bem, eu era muito insegura e frequentava um
psicólogo para tratar dos meus medos e ansiedades. Ele me disse que falar
sobre a minha infância era somente metade da batalha. Quando eu perguntei
qual seria a outra metade, ele disse que não sabia.
Depois da minha formatura em 1969, eu vim para o Havaí,
dentro do programa Corpo de Professores. Quando um estudante havaiano
ensinou-me sobre o budismo, eu soube desde o início que recitar o
Nam-myoho-rengue-kyo seria a outra metade que eu estava buscando.
Após catorze anos, em 1983, eu busquei um incentivo de
dois membros veteranos. Eu disse que apreciava todos os beneficios da
prática, assim como a minha vida, embora tivesse ciência de que eu não
poderia avançar na minha revolução humana até ser capaz de dissipar o
profundo rancor e ódio que sentia pela minha mãe, e que carregava por toda a
minha existência.
Eles me encorajaram a apreciá-la como o ser que me trouxe
a vida e compreender que por ter nascido neste lar, eu poderia transformar o
meu carma. Além disso, eles me alertaram que caso eu não conseguisse
transpor esta situação, os meus filhos poderiam apresentar o mesmo
sentimento em relação a mim ! Desde que o meu filho mais velho, Keola,
estava entrando na adolescência e começou a apresentar uma atitude
desafiadora em relação a mim, estas palavras realmente tocaram em minha vida
e eu determinei desafiar e sobrepujar este ressentimento. Eles me encorajaram
a ensinar o budismo para minha mãe, para que fosse possível estabelecer uma
relação que eu acreditava ser impossível.
Com um forte daimoku e confiança, eu segui estes conselhos
e decidi colocar em ação. Minha mãe estava morando no Havaí desde a morte
do meu pai e havia participado em diversas atividades da SGI-USA com a minha
família. Ela concordou em converter-se e de forma relutante começou a
recitar o daimoku. Durante dez anos, ela se recusou a reconhecer qualquer
benefício, embora as outras pessoas tenham percebido grandes mudanças.
Finalmente, em 1993, a minha mãe relatou sua experiência
numa reunião de palestra que começava com as seguintes palavras ¨Eu comecei
a recitar a dez anos atrás, somente para deixar a minha filha e a minha
família feliz, embora eu não acreditasse nesta prática¨. Assim, a sua
experiência de duas páginas terminou com ¨olhando para trás, nestes dez
anos de prática, eu posso ver agora o quanto a minha saúde física e mental,
amizades, relacionamento familiar e finanças melhoraram¨.
Dois meses depois, a minha mãe teve a pior crise nervosa
que eu presenciei. Em alguns momentos, ela ficava incoerente e histérica, em
outros momentos, ela permanecia com os olhos fixos para o espaço. Ela se
recusava a comer ou tomar os medicamentos e eventualmente desmaiava. Na
época, eu lecionava em período integral e cuidava dos meus três filhos,
logo, eu não tinha tempo suficiente de cuidá-la de forma apropriada. Eu
recitava o daimoku por sua proteção e para ter sabedoria em como ajudá-la.
Quando eu consultei o médico, ele imediatamente aconselhou a internação.
Em 1953, a minha mãe ficou internada num hospício e ela
recebeu choques elétricos. Desde então, ela recusou qualquer ajuda
psiquiátrica. No caminho do hospital, ela gritava e chorava ¨Não, não
faça isto comigo ! Como você pode fazer isto comigo ?¨. Esta situação foi
como um pesadelo para todos nós.
Quando chegamos na sala de emergência, meu marido e eu
passamos cinco horas alternando no daimoku e tentando convencê-la a assinar
os papéis de forma voluntária, para que ela não fosse internada a força
novamente. Assim, quando estávamos prestes a desistir, ela segurou a caneta e
assinou os formulários.
As próximas três semanas no hospital foram fundamentais
para a resolução da sua condição e do nosso relacionamento. Ela pode
receber a terapia e o tratamento necessário e ao dialogar com a sua
psiquiatra ajudou-me a aceitá-la dentro do meu coração, não somente em
minha mente, de que a minha mãe era uma vítima da sua doença e ela não
agiu de propósito ao tornar a minha infância miserável. Ao vê-la em tal
terrível condição também me ajudou a sentir compaixão por ela, ao invés
de raiva, rancor e ressentimento que eu sempre havia sentido. Finalmente, nós
estávamos limpando a nossa escuridão fundamental.
Os três últimos anos da sua vida foram os mais pacíficos
e alegres. Ela consegui concretizar todos os seus objetivos – estar
fisicamente e mentalmente saudável, ser financeiramente independente, ter
amigos, estar mais próxima de mim, e o mais importante, ser parte importante
da vida dos seus netos. Em 1995, nós celebramos o seu 78 anos de vida na
festa de graduação dos nossos filhos gêmeos – Julian e Jesse.
Em 1996, Keola se formou na faculdade. Dois meses depois,
minha mãe foi atropelada enquanto atravessa a rua. Ela teve morte cerebral ao
chegar no hospital. Não houve nenhum osso quebrado ou sangramento – ela
somente parecia ter caído adormecida e nunca ter recuperado a consciência.
Meu marido, Miles, nossos filhos e eu formamos um círculo em torno da sua
cama, seguramos as nossas mãos e recitamos o Nam-myoho-rengue-kyo enquanto a
enfermeira desligava os aparelhos que a mantinham viva, de acordo com o
próprio desejo dela.
Dez minutos depois, ela faleceu pacificamente e um pequeno
sorriso surgiu em sua face, onde antes não havia nenhuma expressão. Seu
corpo gélido e tenso, tornou-se suave e corado. Miles e eu olhamos com
espanto para ela, porque sempre havíamos ouvido sobre atingir a iluminação
na hora da morte nestes 25 anos de prática, mas esta era a primeira vez que
presenciamos esta situação.
Muitos dos parentes de Miles e nossos amigos vieram para o
funeral budista e como resultado, fomos capazes de conversar sobre o budismo
com eles. Uma das minhas colegas professoras recebeu o Gohonzon e apresentou
seu marido para a prática.
Após atravessarmos esta experiência conjunta, nossa
família se tornou mais unida. Keola e eu começamos a ter um relacionamento
mais positivo, e a comunicação entre nós está melhor do que nunca. Julian
começou a expressar melhor seus sentimentos e apreço pela família e Jesse
solicitou para transferir o Gohonzon que estava no nome da minha mãe para o
nome dele, para que ele pudesse reiniciar a prática budista, agora por
vontade própria.
Eu aprendi duas lições nesta experiência. Primeiro, é
auto-destrutivo carregar um rancor, e é importante saber suplantar antes que
seja tarde demais. Segundo, elevar a nossa condição de vida é a verdadeira
razão da nossa prática e o único ponto que realmente importa para a eterna
felicidade.
Mais do que nada, eu finalmente aceitei que eu escolhi
nascer filha de Ella Tiles e que estas circunstâncias iriam me levar ao
Gohonzon e a descobrir a minha natureza de Buda. Após 32 anos, eu agradeço
profundamente minha prática budista que me capacitou a transformar minha
tendência de vida negativa e duvidosa para uma tendência em prol da
felicidade e auto-confiança.
Fonte: World Tribune