Relato de Experiência
Barbara
Latimer Jennings – Geórgia - USA
Fonte: Living Buddhism, órgão da SGI-USA,
Fevereiro de 2004
Tradução: Charles Chigusa
Transformando
o Veneno em Remédio
Os
meus pais me levaram correndo para o hospital. Eu agia de forma estranha e
exalava um bafo com cheiro estranho. Teria tomado algum veneno? O meu pai se
levantou e minha mãe cobriu o rosto quando o médico se aproximou.
¨Senhor
e Senhora Jennings, a sua filha está bem. Ela está bêbada, pois ingeriu
cerveja.¨ Eu tinha três anos e experimentei a minha primeira garrafa de
bebida alcóolica.
Quando
tinha oito anos, eu esperava ansiosamente por alguns goles de cerveja durante
o jantar. Aos doze, já consumia latas inteiras. Acabei descobrindo a maconha
no ginásio e outras drogas foram acrescentadas no colégio, onde eu dormia
durante o dia, fazia festas a noite e conquistei alguns concursos. Minha
avaliação escolar era alta, mas era muito mais conhecida pelo título de
Campeã Norte-Americana de Beber Vinho. No final, por estar sempre sob o
efeito de drogas e álcool, fiquei na penúltima colocação dentre 1045
alunos e não sei como acabei me graduando.
Eu
voltei para casa em 1977, consegui um emprego e me apaixonei por um veterano
da Guerra do Vietnam que tinha perdido um braço e uma perna. Logo, estávamos
usando drogas todos os dias. A nossa filha, Lonna, nasceu em 1979. Quando ela
completou três semanas, ele comprou uma girafa de pelúcia, me deu vinte dólares
e deixou o país. Eu chorava e me drogava todos os dias.
Quando
Lonna tinha um ano, eu fumava seis cigarros de maconha e bebia uma garrafa de
vinho ou cerveja todos os dias. Eu me inscrevi e fui aceita na Faculdade de
Direito de Los Angeles. Com somente 365 dólares no bolso, eu parti para a
Califórnia. O curso era difícil e eu tinha outras fontes de problemas para
adicionar. Eu era solteira, abandonada, negra, com uma filha pequena, sem
dinheiro e viciada em drogas e álcool. Na faculdade, eu competia com jovens
privilegiados. Mas, assim como eu, muitos estudantes bebiam todos os dias,
fumavam maconha todas as noites e cheiravam cocaína nos corredores do bar das
redondezas. O uso do crack foi inevitável para muito de nós, e no terceiro
ano da faculdade, eu já estava viciada.
Em
nove terríveis anos de crack, eu vi de tudo: assassinatos, violência,
roubos, agressões e abuso infantil. Eu não cometi estes crimes, mas fiz
muita coisa ruim. Eu roubei, menti, enganei, tratando todos como minhas vítimas.
Estava cercada pelo desemprego, abandono e medo de ser presa.
Algumas
pessoas tiraram vantagem de mim, de outras eu tirei vantagem. Eu sofri danos físicos
e emocionais devido uma parada cardíaca após uma overdose e fui espancada
repetidamente por um traficante. Eu fui demitida de todos os empregos e
expulsa de todos os apartamentos. A minha irmã e filha me acusaram de tê-las
roubado – algo que cometi. A minha família e amigos me abandonaram e eu
fiquei sem nenhuma esperança.
Como
muitos viciados, eu geralmente pensava em suicídio. Na primavera de 1985, eu
deixei a minha filha no jardim de infância em Santa Mônica. A sua escola era
perto do oceano, local propício para a minha morte. Eu lhe dei um abraço
apertado e um beijo. Ela se mostrou preocupada.
¨Qual
o problema, mamãe ?¨
¨Nada,
querida. Somente se lembre. Eu te amo.¨, respondi.
Ela
me empurrou e olhou para mim: ¨Não, mamãe, eu vou com você¨.
Eu
me levantei e fui me afastando. De cabeça baixa, ela voltou para a escola.
¨Tchau,
minha querida. Tudo vai ficar bem¨.
Na
realidade, tudo estava errado. Eu estava usando crack por mais de um ano, não
tínhamos lugar para morar. Eu não tinha lugar para ir e nem um centavo para
pegar um ônibus. Eu não era capaz de ser mãe. Eu não tinha capacidade para
viver..
Mas,
eu não poderia morrer sóbria, fui até a esquina e perguntei ao dono do bar
se ele poderia me dar uma cerveja fiada. Ele me ofereceu uma cerveja e um
pacote de batatas fritas se eu lhe mostrasse os meus seios.
¨Se
uma cerveja de um dólar e um pacote de fritas de 50 centavos é o preço da
minha vida, chegou a hora de me matar !¨ eu gritei e sai da loja. Eu sentei
no banco do ponto de ônibus e mirava o oceano, o último narcótico que iria
tirar a minha dor para sempre. Eu prometi que depois do próximo carro
vermelho, eu iria caminhar em direção ao oceano. Um carro vermelho passou.
Ok,
quando o próximo carro verde passar...¨, um carro verde passou e pensei. Ok,
o próximo carro azul...¨ Um grande carro azul parou e cinco pessoas saíram
dele, em direção a um prédio. Outras pessoas chegavam, cheias de energia.
Algo estava errado. Era muito cedo para estar feliz.
O
prédio era a sede da SGI-USA. Eu me lembro que uma ex-colega da faculdade de
Direito havia me dito algum tempo atrás:
¨Nós recitamos Nam-myoho-rengue-kyo. Tudo o que coloca no mundo,
retorna para você. Causa e efeito...Venha para uma reunião budista, você
pode mudar a sua vida!¨
¨De
jeito nenhum! Eu não preciso de nenhuma oração sem sentido. Eu não preciso
mudar a minha vida. Eu estou bem...não como você, senhorita sem lar dormindo
no meu sofá ! Além disso, quem já ouviu falar de uma budista negra ?¨
¨Você
não sabe o que vai acontecer no futuro. Recitar o Nam-myoho-rengue-kyo é
como acumular fortuna para os dias chuvosos.¨ Logo, eu a expulsei da minha
casa num dia chuvoso. Em pouco tempo, eu estava sem casa e dormindo no sofá
de outras pessoas. Causa e efeito ?
Eu
tenho certeza que não estava buscando a iluminação quando me levantei em
direção ao prédio da SGI-USA. Aquelas pessoas sorridentes pareciam prósperas
e se eu pudesse arrancar alguns trocados para comprar alguma comida e uma dose
de crack, eu poderia morrer outro dia. Eu atravessei a rua e quase fui
atropelada por um carro vermelho.
Estava
lindo e tranqüilo dentro da sede da SGI-USA e apesar da minha aparência, uma
recepcionista bem vestida e genuinamente feliz veio me ver. Eu perguntei onde
ficava a caixa ou fundo para os necessitados.
¨Não,
nós não temos nenhuma caixa de dinheiro para necessitados¨. Somos budistas
e você poderá recitar por aquilo que quiser.
¨O
que ?¨ Assim, eu e a minha filha fomos para a nossa primeira reunião budista
naquela noite. Eu fingi estar orando e perguntei aos presentes sobre a caixa
para necessitados. Sorrindo, me disseram: ¨Ore por aquilo que deseja¨.
Estes
budistas são durões. Determinada a vencê-los, eu participei em algumas
reuniões e contava a minha história. Eu não consegui arrancar nenhum
centavo deles. Sem nenhuma gratidão pelas refeições que recebi, das muitas
noites que passei nas casas de membros, eu estava cansada de ouvir: ¨Somente
ore pelo que deseja¨ e algo sobre não me dar o peixe, mas ensinar-me a
pescar. Eu decidi demonstrar a minha ira e frustração diante de três velhas
senhoras japonesas.
¨Este
budismo não funciona para mim!¨ Eu as mirei, buscando ver medo em seus
olhos. ¨Eu sou uma alcoólatra e dependente de drogas e faço qualquer coisa
por dinheiro!¨
Elas
sorriram e disseram: ¨Parabéns!¨ Vindo em minha direção e buscando me dar
um abraço. Eu me afastei e gritei: ¨Obviamente, não entendem inglês ! Eu
fumo crack, bebo e sou capaz de coisas terríveis !¨ Eu comecei a chorar e
uma delas me disse: ¨Sim, nós compreendemos. Você é afortunada !¨ Eu me
sentia atacada pelos seus sorrisos, eu estava com medo.
¨Afortunada...Você
está louca ? Saiam daqui ! Vocês não sabem de nada. Crack é a pior coisa
que já me aconteceu !¨ Elas me abraçaram.
¨Dependendo
do que você escolher, estes vícios podem se tornar a melhor coisa que
aconteceu na sua vida. Este é o seu carma. Porque você cometeu erros no
passado, hoje, sofre com esta dependência. Se escolheu praticar o budismo
enquanto está sofrendo, você será protegida e irá mudar o seu carma¨.
Um
das senhoras segurou a minha mão e disse: ¨O estado da Fome dentro de você
faz com que consuma veneno. Nitiren explicou que a Lei do Nam-myoho-rengue-kyo
possui o poder de mudar o veneno em remédio e é capaz de transformar as suas
causas passadas em fonte de grande benefício. Então, ore ! Quando você
chegar do outro lado, terá a experiência para ajudar muitas pessoas que
sofrem. Continue orando !¨
As
três senhoras japonesas me abraçaram e batiam na minha costa. ¨Parabéns !
Você é afortunada!¨ Elas me disseram que recitar o Nam-myoho-rengue-kyo
funcionaria mesmo se eu não compreendesse ou acreditasse no budismo. Depois,
eu li a seguinte passagem: ¨Mesmo que uma pessoa doente não compreenda o remédio
ou não saiba a origem da doença, se tomar o remédio, irá se recuperar¨
(Diálogo sobre o Sábio e um Homem Não-Iluminado, WND, pág.133)
Eu
fiquei intrigada e tenho recitado por mais de dezoito anos, sendo que a minha
vida mudou drasticamente.
Eu
pensei que poderia parar de beber e usar drogas rapidamente, caso orasse o
suficiente, participasse nas reuniões budistas e conversasse com sábias e
velhas senhoras japonesas. Eu fiquei frustrada quando isto não aconteceu.
¨Não
desista. Continue a orar. Você não sabe qual o seu carma ou quanto tempo
levará para mudá-lo¨, um veterano budista me disse. Eu continuei a orar,
mas não orava pela paz ou para ser uma pessoa melhor. Eu queria parar de usar
drogas, mas eu geralmente orava por drogas, dinheiro para comprar drogas, ou
homens com dinheiro para comprar drogas. Em momentos cruciais e perigosos, eu
orava por proteção. Eu não queria ser presa, machucada ou morta. Os
budistas me incentivavam a orar pelo o que eu desejava, mas me alertavam sobre
não cometer mais causas negativas.Eles me prometeram que recitar o
Nam-myoho-rengue-kyo iria mudar a minha vida. E mudou. Eu parei de usar drogas
e álcool em 1993, oito anos após praticar o budismo. O que teria acontecido
se tivesse parado de praticar após sete anos?
Eu
usei e abusei do álcool por quase trinta anos. Usei drogas por quase vinte
anos. Fiquei no inferno da cocaína por nove anos enquanto os meus sonhos
viraram fumaça. As lições do budismo me trouxeram meus sonhos de volta.
Através do budismo e do programa dos Alcoólicos Anônimos, eu estou livre da
dependência por quase onze anos. Eu voltei para a faculdade de Direito em
1995 e comecei tudo de novo.
Eu
estava com quarenta anos e apesar de todas as dificuldades, eu consegui uma
bolsa no valor de 50 mil dólares. Eu ganhei o prêmio pela maior nota em Lei
Constitucional e recebi uma bolsa para estudar Lei International na Grécia.
Formei em 1998, passei no exame da ordem na minha primeira tentativa e obtive
um emprego prestigioso na Suprema Corte do estado da Geórgia. Hoje, acabei de
abrir o meu próprio escritório de advocacia em Decatur, Geórgia.
Eu
tenho recitado por dezoito anos e estou escrevendo um livro sobre as minhas
experiências com o Budismo. A minha filha, que é um Buda, formou-se na
Faculdade em dezembro. Ela irá cursar direito este ano e também está
escrevendo um livro sobre a sua vida.
Na
escritura ¨Cavalos Brancos e Cisnes Brancos¨, Nitiren explana que ¨assim
como os elementos venenosos são transformados em remédio, os cinco
caracteres do Myoho-rengue-kyo mudam o mal para bem¨(WND, pág. 1064). Caso,
eu fosse uma desesperada dependente em crack, eu nunca teria encontrado o
budismo. Se eu não tivesse encontrado o budismo eu teria continuado com a
minha dolorosa, medíocre vida, caindo na miséria e alcoolismo. Aquelas
senhoras japonesas estavam certas, ter sido uma viciada foi uma das melhores
coisas que já aconteceu em minha vida.
Por
Barbara Latimer Jennings – Geórgia - USA Fonte: Living Buddhism, órgão da SGI-USA, Fevereiro de 2004 Tradução:
Charles Chigusa
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