Sujata
um deus responde as preces de
uma adolescente
Sujata era uma menina bonita, doce e
faceira, filha de uma família rural próspera em Senani. Esta atraente vila
situava-se nas cabeceiras do rio Neranjara, a oeste de Rajagaha, a capital
do Estado de Magadha.
Sujata
era uma garota totalmente inocente, que desconhecia sua própria beleza, e
não tinha arrogância. Toda manhã, ela ia, junto com os fazendeiros da casa,
até os pastos, onde a relva crescia verde e vigorosa, e as fontes de água
pura borbulhavam da terra aqui e acolá, em diversos lugares. Cercada pela
beleza e tranquilidade da natureza exuberante, Sujata passava os dias
envolvida com as tarefas do dia, olhando o gado, tirando o leite, e assim
por diante. Todos do vilarejo a elogiavam:
- "Ela é uma boa mocinha! Gostaria que minha própria filha fosse tão gentil
e bondosa quanto Sujata!"
Nos bancos da margem do rio Neranjara, nos arredores da vila, havia uma
grande árvore nigrodha, com um tronco muito grosso e inúmeros galhos, que se
ramificavam por todas as direções.As pessoas do vilarejo reverenciavam esta
árvore como sagrada, como a moradia de um deus (deva). Toda manhã e ao
entardecer Sujata visitava a árvore e oferecia suas preces:
- "Senhor da árvore, por favor, envie-me um
maravilhoso marido."
O deus da árvore ouviu as preces da jovem,
pois logo um pedido pela mão de Sujata veio do chefe da família mais rica da
vila (1). Ela foi enfeitada com guirlandas de flores, jóias, e casou-se
perante seus conhecidos com grande alegria. Quando a festa terminou, ela foi
depressa até a árvore nigrodha oferecer suas preces de agradecimento.
Aproveitou para fazer outro pedido:
- "Senhor da árvore, por favor, guarde e proteja minha nova família, e dê-me
um lindo e sadio bebê para ser herdeiro."
O deus devia ser fã de Sujata, de tão
amável que ela era, e ele também concedeu mais este desejo. Em pouco tempo,
ela sentiu e carregou um bebê e, no devido tempo, deu à luz a um bebê sadio.
O coração de Sujata estava cheio de alegria. Ela adorou o deus da árvore com
mais fervor ainda, e servia ao esposo e à família dele diligentemente, com
espírito de gratidão.
A cada ano, na noite de lua cheia do mês de Vesakha (Wesak), Sujata
preparava um prato de arroz com leite para oferecer à divindade da árvore.
Ela se esmerava no preparo deste prato, que sempre ficava rico, grosso e
delicioso. Seis anos já tinham se passado desde que ela havia casado com o
homem mais rico do vilarejo. Agora era noite de lua cheia de Vesakha. Os
raios prateados do luar cobriam os pastos e florestas, e transformavam o rio
Neranjara num rio de luzes. Sujata levantou-se muito antes do amanhecer,
junto com Punna, a serva - a quem amava como uma irmã mais nova, e foi
ordenhar as suas melhores vacas, sob um abrigo próximo.
- Punna, o leite este ano parece bem mais
grosso.
- Sim, senhora, com ele fará um ótimo arroz com leite!
- Quando terminarmos de ordenhar, por favor, aqueça o fogão. Eu irei
enquanto isso colher um pouco de arroz.
- Sim, dona Sujata.
As duas mulheres derramaram o leite fresco num pote de cozinha da casa
principal, adicionaram o arroz, e começaram a cozinhar a mistura. De
repente, uma fragrância maravilhosa preencheu o ar da cozinha. Sujata,
ocupada em alimentar o fogo com mais lenha, sentiu que acontecia algo
diferente. Normalmente, ela lutava com a fumaceira que se desprendia da
madeira, e com o leite que transbordava sem aviso. Mas desta vez, nem uma só
gota se desperdiçou, e a madeira queimava sem fazer fumaça (2). Enquanto
observava, de pé, aos acontecimentos inusitados, o arroz com leite ficou
pronto - o melhor que ela já tinha feito!
- Punna, o deus da árvore deve estar muito satisfeito este ano! Depressa, vá
limpar o altar sob a árvore para que possamos fazer logo a oferenda!
Um homem santo aceita
a oferenda de arroz com leite
A lua cheia caía em direção do oeste, e o
céu a leste já começava a clarear. Punna correu na escuridão até a árvore
nigrodha. Ao chegar lá o sol surgiu e fez a árvore brilhar sob a luz da
manhã. De repente, Punna pulou de susto. Ao pé da árvore sentava-se uma
figura emaciada, que mais parecia um rosto humano preso a um esqueleto.
Porém, mesmo assim, a face parecia irradiar nobreza, serenidade, e
santidade.
- É o deus! O deus da árvore nigrodha!
Punna girou nos calcanhares e correu num só fôlego, para contar à sua patroa
o que ela tinha visto. Ao ouvir ao relato, Sujata sentiu uma alegria sem
igual.
- A divindade manifestou-se na forma humana
a fim de aceitar a oferenda pessoalmente!
Sujata e Punna encheram uma tigela de ouro até a borda com arroz com leite,
e correram para a árvore. O dia já havia raiado, e o homem santo continuava
sentado sob a árvore, imerso em meditação.
As duas mulheres prostraram-se ante a
figura brilhante e reverentemente prepararam-se para oferecer o alimento.
Porém, a figura que as mulheres pensavam
ser o deus da árvore era, de fato, o Príncipe Sidarta, que há seis anos
estava fora dos palácios de Kapilavastu, em busca da iluminação procurando a
resposta ao sofrimento para o bem de todos os seres, entre mestres e
florestas.
Após ter visitado diversos reinos, e
procurado a iluminação em diversos mestres, o Príncipe Sidarta decidiu ficar
nos arredores da vila de Senani, próximo ao Parque dos Ascetas.
Escolheu o local para realizar seus últimos
esforços ascéticos:
- Não deixarei este lugar até que tenha
atingido a perfeita Iluminação.
Ele havia passado por um jejum severo, comendo um grão de sésamo e um de
arroz por dia. Quando ele entrava no "transe sem respiração", no qual a
respiração normal é suspensa e a mente concentra-se em si mesma, ele perdia
a consciência e caía para a frente.
Ao acordar de seu estado de quase-morte,
ele reiniciava o jejum. Realmente era uma forma extrema de ascetismo, que
ultrapassava os limites humanos.

Às vezes ele sentia estar a um passo da
iluminação, mas quando acordava de sua inconsciência, via que tudo que havia
conseguido havia se esvanecido com a fraqueza do corpo, causada pelo jejum.
O Príncipe questionou-se:
- Esta prática extrema realmente levará à
extinção do sofrimento e à iluminação? Mesmo que desta maneira eu consiga
extinguir todo apego ao corpo e atingir a iluminação, a saúde está
comprometida e a vida por um fio. Assim, não terei condições de transmitir a
descoberta que porventura faça para mais ninguém. Que proveito há em se
atingir a iluminação para depois morrer, sem ter ajudado ninguém?
O Príncipe, então, decidiu-se abandonar as práticas ascéticas e quebrar o
jejum. Usando suas últimas reservas de energia, arrastou seu corpo sujo de
pó e feridas até o rio Neranjara. Ali, tomou banho nas águas puras do rio, e
puxou-se para a margem pegando numa raiz de árvore que avançava para o rio.
Sentou-se debaixo da árvore nigrodha, e ali entrou em profunda meditação.
Seu corpo emaciado e magro brilhava sob a luz do sol da manhã.
Foi neste momento que Punna apareceu, e viu o Príncipe Sidarta.
A aparência do santo homem era realmente
impressionante. Sujata moveu-se à frente e ofereceu a tigela com arroz e
leite. A figura de repente alcançou a tigela com a mão esquerda,
vagarosamente, e saboreou cada gole do alimento.
- O deus aceitou beber o leite que
preparamos para ele!
Ambas as mulheres tremiam de emoção, sem tirar os olhos de cima daquele
homem santo ali sentado. Ao tomar o leite preparado por Sujata, o Príncipe
sentiu nova energia começando a espalhar-se pelo corpo. Levantou-se e andou
até os arredores da cidade de Gaya, a uma curta distância, percorrendo as
margens do rio Neranjara. Ele sentou-se sob uma figueira que encontrou por
lá e entrou em um estado de meditação profunda. No amanhecer do sétimo dia
após todo aquele acontecido com Sujata, o Príncipe Sidarta finalmente logrou
iluminar-se, tornando-se o Buda, o Bem-aventurado.
A primeira mulher
discípula leiga
Logo as notícias chegavam a respeito de um homem santo, conhecido como
Sakyamuni, que atingira um grau de Iluminação inigualável e tornara-se o
Buda. As pessoas comentavam que ele havia convertido os três irmãos
Kashyapa, que eram ascetas nas florestas de Uruvela; diziam que Ele foi ao
país de Magadha e converteu Shariputra e Maudgalyayana (estes eram
discípulos de Sanjaya, eminente pensador daquela época), junto com 250 de
seus seguidores. Na capital de Rajagaha, o rei e os principais magnatas
tornaram-se seguidores de Sakyamuni.
Um dia, correu um rumor de que o Buda estaria visitando Senani.
- Ele está vindo! Dizem que a Doutrina que prega é a mais profunda!
O vilarejo de Senani estava excitado com a iminente visita do Buda.
Por fim, chegou o grande dia. Sabendo que o grande sábio havia chegado, a
piedosa Sujata, junto com sua serva, foram até o local onde as pessoas se
reuniram. Abriram caminho para chegar até a frente da congregação, e, sem
olhar, fizeram reverentemente uma mesura para o Buda. Mas quando Sujata
levantou a cabeça, ela gritou de susto, pois não era este a divindade da
árvore nigrodha, a quem oferecera arroz com leite, num amanhecer da lua
cheia de Vesakha?
- Então não era o deus
da árvore, afinal, mas o príncipe-asceta do clã dos Sakyas, que aceitou
minha oferenda! Ele bebeu, e depois disso atingiu a Iluminação! Fomos
felizardas de ter feito tal oferenda para uma pessoa como ele!
Sujata e Punna quase não puderam conter-se de alegria, enquanto ouviam ao
sermão do Buda. Quando o Buda terminou o sermão, Sujata foi à frente,
prostrou-se aos pés do Buda, e falou:
- Senhor, aceite-me como discípula leiga. Deste dia em diante, desejo
refugiar-me em Ti e em Sua Doutrina, e recolher méritos pelas ofertas aos
monges, pelo resto da minha vida.
Punna, por sua vez, seguiu o exemplo de sua patroa. O Buda olhou para as
duas, com carinho e compaixão, e fez sinal com a cabeça, assentindo.
Assim, Sujata tornou-se
a primeira discípula leiga da comunidade budista. Ela decorou as palavras do
Buda e procurava seguí-las sem falta. Em casa, ela servia ao marido e à sua
família com diligência, cuidava das necessidades de seus servos, e fazia o
melhor que podia para manter a ordem da casa. Além disso, procurava não
esquecer nunca os fundamentos da religião que abraçara, e sempre que podia
fazia oferendas aos monges. Como resultado, ela foi amada e respeitada não
somente em sua família, mas também por todos aqueles com que ela fazia
contatos. Assim, sua vida foi muito feliz e pacífica.
(1) Na Índia antiga e
tradicional, os casamentos são arranjados pelos pais e as meninas e meninos
casam-se muito cedo, ou são prometidos em casamento.
(2) Nas áreas rurais e nas cozinhas dos mais pobres na Índia, o esterco seco
e a lenha ainda alimentam fogões, de forma que é sempre uma aventura
cozinhar com fuligem, mãos e rostos sujos!!!